A utilização da nanotecnologia na medicina e os desafios da área no Brasil
O País, embora seja o 18 º maior produtor de nanotecnologia do mundo, ainda enfrenta muitos problemas na área
A nanotecnologia não é algo recente, ela já é utilizada há mais de 50 anos. O físico estadunidense e Nobel em Física de 1965, Richard Feynman, foi um dos pioneiros a conceituar esta tecnologia, quando em 1959, em uma palestra, defendeu a manipulação de átomos em escala nanométrica (equivalente a um bilionésimo de centímetro).
O uso da nanotecnologia, embora tenha começado na física e na química, também tem sua atuação na medicina, é a chamada nanomedicina. O uso desta técnica na saúde começou na década de 1980, quando foi desenvolvido o drug delivery (entrega de drogas), que são dispositivos que controlam a liberação de fármacos em partes específicas do corpo.
Já na década de 1990, a nanomedicina evolui e começa a ser utilizada na engenharia de tecidos e na medicina regenerativa. Uma das linhas de pesquisa da Doutora em Farmácia graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente do conselho do Instituto de Pesquisa com Células-tronco, Patrícia Pranke, é justamente a regeneração de tecidos moles do corpo.
Desde 2012, Pranke estuda o desenvolvimento de materiais orgânicos, a partir da electrospinning, técnica de produção de biomateriais, constituídos de polímeros para um molde de crescimento de células-tronco embrionárias. Como explica a Doutora, o objetivo é poder produzir materiais para transplante que não sejam rejeitados pelo corpo. “A importância é que esse material seja biocompatível, ou seja, que o organismo o aceite e não o encontre como um corpo estranho, que irá destruir e nem que cause algum problema imunológico’’.
A pequena estrutura, composta de polímeros, contém mais de 10 quilômetros de nanofibras. Maleável, apesar de parecer um pequeno pedaço de papel, o material é, na verdade, o resultado da pesquisa de Patrícia Pranke: um molde para o crescimento de células para a recuperação de tecidos do corpo.
Os polímeros base para estruturação das nanofibras podem ser de diversos materiais, cabendo citar alguns como o polietileno (PE), o polipropileno (PP), o polibenzimidazole (PBI), o poliacrilonitrilo (PAN), a poliamida (PA), o polietileno tereftalato (PET) ou poliéster (PS).
Para desenvolver esse processo as soluções dos polímeros descritos acima são distribuídas entre eletrodos, que são conectados a alta tensão e dessa forma, acabam produzindo as fibras com diâmetragem nanométrica.
Conforme afirmou a doutora Pranke, a electrospinnig funcionará para recuperar alguns tecidos, mas não todos. Não será possível reproduzir, por exemplo, um fêmur utilizando nanotecnologia. Para a construção do osso, por não produzir materiais com esse nível de firmeza e dureza, a eletrospining acaba não sendo uma medida viável, mas sim para tecidos maleáveis e que necessitam ser biodegradáveis.
BRASIL ENTRE OS 20 MAIORES PRODUTORES DE NANOTECNOLOGIA
Segundo o site Statnano, especializado em informações e estatísticas sobre nanotecnologia no mundo, o Brasil, em 2017, ocupou a 18ª posição no ranking internacional de produção de nanotecnologia, sendo o único país latino-americano entre os 20 maiores produtores. O primeiro lugar é ocupado pelo Irã, seguido de Arábia Saudita e Singapura.
O ranking avalia os países de duas formas: a produção absoluta, ou seja, o número de artigos científicos sobre as tecnologias em nano-escalas e, também, levando em conta a porcentagem desta produção sobre a publicação total de artigos e é aí que o Brasil chega a 18ª colocação.
Esta avaliação é feita levando em conta os artigos publicados por cada país no Web Of Science, plataforma online mundial de divulgação científica, algo parecido ao Portal Periódicos, relacionado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Em 18º lugar, 5,2% dos artigos científicos brasileiros publicados no Web Of Science são sobre tecnologias nano. Em números absolutos, o Brasil sobe uma posição e é o 17º país mais bem colocado, com 2.471 publicações, cerca de 2% da divulgação total entre todos os países. Nesta visão, a China é a maior produtora, com mais de 47 mil artigos publicados, equivalentes a cerca de 35% de toda a produção, seguida de Estados Unidos com pouco mais de 22 mil publicações, ocupando 16% do total.
A colocação brasileira, em primeira vista parece boa, mas Patrícia Pranke faz ponderações. “Não é tão mal assim, mas levando em conta o tamanho do Brasil comparado com outros países da Europa, por exemplo, que são do tamanho do Rio Grande do Sul, nós poderíamos estar mais bem colocados.”
Para Pranke, um dos principais motivos para a má colocação do Brasil, segundo sua avaliação, é a chamada “fuga de cérebros”, fenômeno muito comum em países pobres, caracterizado pela saída em massa de cientistas e pesquisadores para nações desenvolvidas, em busca de melhores condições de trabalho e investimento.
Ela acredita que a falta de verba na área da ciência provoca uma imigração ou um subaproveitamento da mão de obra qualificada brasileira. Esse pensamento fica evidenciado pelos números de 2015 do Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que mostram que quase 50 mil cientistas deixaram o País em busca de investimentos para tocarem seus projetos.
“O que vemos hoje é uma imigração ou um subaproveitamento deste pessoal que está saindo do doutorado”, avalia. “Nós não conseguimos absorver todos os doutores, que são mão de obra qualificada, e que acabam indo para outros países. Então se pudéssemos manter estes profissionais de boa formação nós estaríamos em uma posição bem melhor”, conclui a doutora.
A pesquisadora acredita que o principal problema que atrasa a evolução da nanotecnologia no Brasil, além do êxodo da mão de obra qualificada, é a falta de aproximação entre o Estado e a Indústria. Esta falta de proximidade, entre outras problemáticas, obriga os pesquisadores a trazerem materiais do exterior, já que estes não são fabricados aqui, encarecendo, assim, os projetos.
“No entanto, se houvesse incentivos para o setor privado produzir tais produtos, teríamos uma qualidade tão superior quanto (os produtos estrangeiros), e um valor acessível, além da geração de empregos. A universidade precisa interagir com o setor privado para poder apresentar os projetos estudados e a Indústria produzir em larga escala”, concluiu Patrícia Pranke.