Rede de impunidade na palma da mão

Como os avisos de blitz em grupos de WhatsApp podem ajudar a impunidade e quais os obstáculos para combater a prática

Carlos Eduardo Netto
4 min readMay 27, 2020

Por: Carlos Eduardo Netto e Robson Nunes

Segundo o administrador do grupo, o uso dos avisos fica a critério dos motoristas / Crédito: Carlos Eduardo Netto

A impunidade se manifesta de várias formas, uma delas é o aviso de blitz de trânsito em grupos de WhatsApp. Porém, um dos principais obstáculos para impedir essa prática é que não há legislação que tipifique os avisos como crime.

Estas mensagem podem ajudar criminosos e motoristas embriagados a continuarem impunes pelas ruas, é o que diz o advogado e pós-graduando em Direito e Processo Penal Diorgenes Dellani.

O delegado da Divisão de Crimes de Trânsito da Polícia Civil, Carlo Butarelli, comenta que não há como criminalizar estes atos. Mas, diferentemente de Dellani não acredita que estes grupos sejam frequentados por criminosos e sim por infratores de trânsito costumeiros, “aqueles indivíduos que não possuem habilitação ou estão com a carteira suspensa ou cassada, em razão de pontos por infrações ou por crimes de trânsito”, pontuou Butarelli.

O grupo conta com cerca de 150 participantes / Crédito: Reprodução

O administrador do grupo de WhatsApp “Blitz Porto Alegre” não concorda com Dellani. Adilson Marques alega que em seu grupo a maioria dos participantes são motoristas que utilizam seus veículos para trabalho, mas têm pendências, como imposto veicular atrasado. Marques também se isenta da responsabilidade pelo uso de avisos, por parte dos motoristas, “Fica a critério de quem usa o grupo para essa finalidade”.

Um dos membros do grupo, que pediu para não se identificar, diz que usa o grupo para trabalho. O homem, que é motorista de aplicativo, utiliza os avisos para se locomover até as barreiras, pois “normalmente onde tem blitz, tem mais corridas”, explica.

POR DENTRO DO GRUPO

Ao procurar no Facebook por blitz, o resultado aponta alguns grupos relacionados à prática de alerta de operações de trânsito. Um deles, o “Blitz Porto Alegre” conta com mais de dois mil membros. Para entrar no grupo, basta solicitar. São cerca de quatro publicações diárias, mas quase nenhuma relacionada a blitz.

Na descrição, o administrador salienta que não se responsabiliza pelo que é postado, “NÃO NOS RESPONSABILIZAMOS PELO MAU USO DESTA FERRAMENTA, COMO PREVIAMENTE INFORMADO O OBJETIVO É EVITAR TRÂNSITO PARADO OU LENTO!” (sic!).

Além disso, é informado que o grupo objetiva oferecer interação e alertas aos participantes, sobre informações relacionadas ao trânsito, como blitz, operações da Balada Segura e, também, serviços ao cidadão. É ali que é encontrado um link para entrar no grupo de WhatsApp com o mesmo nome daquele do Facebook.

Durante um mês, o grupo de WhatsApp foi monitorado. Foram trocadas cerca de 286 mensagens, sobre diversos assuntos, mas a maioria avisos sobre operações de trânsito. Neste mês, mais de trinta avisos foram disparados, como mostra o mapa abaixo:

Durante um mês, a reportagem monitorou o grupo de WhatsApp e descobriu mais de 30 avisos / Crédito: reprodução

A reportagem conversou com quatro participantes do grupo, além do administrador. Nenhum deles concorda que a prática de avisar sobre as blitz possa ser enquadrada como crime. Porém, todos partilham da tese de que barreiras de trânsito existem apenas por motivos arrecadatórios.

É o que diz uma motorista que faz parte do grupo e não quis se identificar, “as vejo como abuso, com fim arrecadatório e nunca instrutivas”, comentou.

O administrador do grupo Adilson Marques, também reclama da burocracia para se ter um veículo, dando como exemplo o pagamento de impostos e a documentação envolvida na transferência de carros. Marques vai além e dispara "qualquer coisinha é multa, é pardal, é aqueles controladores de velocidade. É tudo para arrecadar imposto. Então, vão tudo se fu***. Tô nem aí que é crime".

AS TROCAS DE MENSAGENS NA LEGISLAÇÃO

O aviso sobre a blitz pode ser enquadrado como atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública pelo artigo 265 do Código Penal (CP). É o que frisa o delegado da Polícia Civil e especialista em crimes cibernéticos, Emerson Wendt, "essa prática incide em algo extremamente importante, que é a segurança viária nas cidades". Porém, a contravenção não se enquadra perfeitamente nessa possibilidade de aplicação penal.

Diorgenes Dellani explica que não é possível enquadrar alguém em um crime que não é devidamente especificado no CP. ‘’É imprescindível que a penalização de crimes esteja rigorosamente prevista em lei, não sendo concebível interpretar de forma ampla o artigo 265’’, finalizou.

O Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, em documento corroborou a visão de Dellani. “Inexiste legislação penal que enquadre esse tipo de prática como crime, bem como não há normas jurídicas que tratam especificamente sobre essa tipificação no artigo 265 do CP”.

Ainda não há, no Código Penal brasileiro, alguma lei para tipificar os avisos de blitz como crime / Crédito: Reprodução

O MPRS também fala sobre a tentativa de enquadrar a prática no artigo 348 do CP, que prevê o crime de favorecimento pessoal, “entretanto, analisando os elementos que compõem o referido tipo penal, entendemos ser igualmente inviável”.

A justificativa da inviabilidade é que para configuração do crime, àquele que avisa sobre a blitz deve ter conhecimento que está auxiliando um criminoso a fugir de uma barreira policial.

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Carlos Eduardo Netto

21 anos | estudante de jornalismo | UniRitter — Porto Alegre